Ministros analisam se condenação pelo Júri deve ser executada de imediato, ou se análise de tribunais de 2º grau é essencial antes da prisão.
Nesta quarta-feira, 11, STF voltou a julgar se a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução da pena (tema 1.068).
O julgamento havia sido iniciado no plenário virtual, com nove votos já registrados. No entanto, pedido de destaque feito pelo ministro Gilmar Mendes transferiu a análise para o plenário físico, reiniciando o placar. Os votos da ministra Rosa Weber e do ministro Ricardo Lewandowski, ambos já aposentados, são os únicos mantidos.
No plenário virtual, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, havia votado a favor da prisão imediata, sendo acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, André Mendonça e pela ministra Cármen Lúcia. Na sessão desta tarde, o presidente do STF reafirmou sua posição.
Ministro Gilmar Mendes abriu divergência, posicionando-se contra a execução imediata da pena, e foi acompanhado, no plenário virtual, por Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Gilmar Mendes também confirmou seu voto durante a sessão desta quarta-feira.
Ainda no plenário virtual, ministro Edson Fachin propôs terceira via, sugerindo que a prisão imediata só ocorra em casos de penas de 15 anos ou mais. Fachin ainda não se manifestou em plenário físico.
O julgamento foi suspenso devido ao adiantado da hora e será retomado nesta quinta-feira, 12.
Caso
O recurso foi interposto pelo MP/SC contra acordão do STJ (RHC 111.960) que afastou a prisão de um condenado pelo Tribunal do Júri por feminicídio duplamente qualificado e posse irregular de arma de fogo.
O STJ aplicou jurisprudência da ilegalidade da prisão fundada apenas na premissa de que a decisão condenatória proferida pelo Tribunal do Júri deve ser executada prontamente, sem qualquer elemento do caso concreto para justificar a custódia cautelar sem a confirmação da condenação por colegiado de segundo grau ou o esgotamento das possibilidades de recursos.
No Supremo, o MP/SC alega que a execução provisória de condenação pelo Tribunal do Júri decorre do reconhecimento de que a responsabilidade penal está diretamente relacionada à soberania dos vereditos, que não pode ser revista pelo tribunal de apelação.
Ministério Público
Nesta quarta-feira, o procurador de Justiça Fernando Linhares da Silva Junior destacou a soberania das decisões do Tribunal do Júri, prevista na CF, que garante ao povo a prerrogativa de julgar seus pares em crimes dolosos contra a vida.
Segundo ele, o princípio da soberania dos vereditos deve prevalecer, não sendo cabível invocar a presunção de inocência após a condenação pelos jurados.
Linhares enfatizou que as cortes superiores, no tocante à autoria e materialidade, não podem substituir a vontade dos jurados, exceto em situações excepcionais previstas em lei, quando um novo julgamento pode ser determinado.
No caso em análise, o procurador argumenta que a decisão do STJ, que garantiu a liberdade do réu até o trânsito em julgado, apesar da condenação a 26 anos e 8 meses de prisão, é um exemplo de como a soberania do Tribunal do Júri vem sendo desrespeitada. O recurso interposto pela defesa limitava-se à contestação da amplitude da pena, sem questionar a materialidade ou a autoria delitiva.
A gravidade do crime, cometido em frente a uma criança e a uma adolescente, reforça a necessidade de se respeitar a decisão dos jurados, disse o procurador. Concluiu que essa postura das Cortes superiores tem contribuído para a descrença da sociedade no sistema judicial, pois familiares de vítimas frequentemente se deparam com a liberdade do condenado logo após o julgamento, o que aumenta o sentimento de impunidade.
Amici curiae
Também nesta tarde, o defensor público Rafael Rafaelli, da DPE/RS, defendeu que o acusado deve ter garantida a possibilidade de uma nova solução judicial, destacando que a realização de um novo Júri não é incomum, ocorrendo quando o tribunal de apelação identifica erros no julgamento, como contrariedade às provas ou nulidades processuais, muitas vezes reconhecidas somente nos tribunais superiores.
Ele argumentou que não é razoável manter um réu preso enquanto aguarda o fim do processo, que pode ser favorável, e que, em muitos casos, as penas são reduzidas para regimes mais brandos, como o semiaberto.
Além disso, criticou a prisão automática após o Júri, afirmando que ela está mais ligada a uma manifestação de populismo penal, em que se espera que o réu saia preso diante das câmeras, transformando o processo penal em espetáculo. Segundo ele, essa prática pode prejudicar réus que mais tarde são absolvidos e não traz segurança jurídica para as famílias das vítimas.
Também alertou para o risco de distorcer as garantias individuais dos acusados, que são fundamentais no Estado democrático de direito. Como sugestão, ele defendeu que os jurados tenham a prerrogativa de decidir, caso a caso, sobre a prisão automática.
Já o defensor público da União, Leonardo Cardoso de Magalhães, defendeu a efetividade das normas constitucionais que garantem os direitos humanos, mencionando que o STJ afastou a prisão em um caso por falta de condições de cautelaridade.
Ele criticou a vinculação entre dignidade humana e prisão imediata, argumentando que essa lógica favorece uma interpretação equivocada da soberania dos vereditos.
Magalhães apontou que não se pode invocar o princípio da proporcionalidade ou da proteção deficiente nesse caso, pois a argumentação não adentra esses pontos cruciais. Além disso, ele lembrou que as ADCs 43, 44 e 54 já assentaram a constitucionalidade do art. 283 do CPP, que exige o trânsito em julgado para que a condenação seja executada, aplicando-se a todos os ritos processuais.
Destacou, ainda, os danos irreparáveis causados por prisões prematuras, uma vez que, se a condenação é suspensa, não há como restituir o tempo perdido pelo réu.
O advogado Aristides Junqueira Alvarenga, do escritório Aristides Junqueira Advogados Associados S/S, representando a Conamp – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, defendeu a soberania do Tribunal do Júri como cláusula pétrea da Constituição, citando que o Júri, ao tratar de crimes contra a vida, tem como principal objetivo a proteção à vida, o bem maior tutelado pela lei.
Ele destacou que a decisão dos jurados não pode ser alterada pelo Judiciário, a menos que haja manifesta contrariedade às provas, o que justificaria um novo Júri, mas sem modificar o veredito.
Relembrou a reforma do CPP em 1973, que tornou a prisão obrigatória após a condenação no Tribunal do Júri, com a exceção trazida pela Lei Fleury (lei 5.941/73), que permite a liberdade para réus primários ou com bons antecedentes enquanto aguardam recurso.
Voto do relator
No plenário virtual, ministro Luís Roberto Barroso destacou que o Júri tem como base a participação popular na Justiça.
Ressaltou que a CF atribuiu ao Tribunal do Júri a competência para julgar crimes dolosos contra a vida, garantindo a soberania de seus veredictos.
Para Barroso, seria incoerente permitir que tribunais de 2º grau modificassem livremente essas decisões.
Enfatizou a importância de uma resposta penal rápida, especialmente em crimes como homicídio, para garantir segurança jurídica e satisfação social.
Barroso propôs que a soberania dos veredictos do Júri justifica a execução imediata da condenação, independente da pena aplicada e defendeu a seguinte tese:
“A soberania dos vereditos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução da condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada.”
Nesta quarta-feira, Barroso reiterou seu posicionamento.
Os ministros Toffoli, Alexandre de Moraes, André Mendonça e ministra Cármen Lúcia acompanharam o voto.
Divergência
No plenário virtual, ministro Gilmar Mendes havia votado em sentido divergente do relator.
Ao confirmar seu voto, nesta tarde, o decano da Corte destacou que, embora a soberania dos veredictos seja reconhecida pela CF, ela não é absoluta. A decisão dos jurados pode ser revista em instâncias superiores, especialmente quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos.
Assim, argumentou que a execução provisória da pena imposta pelo Júri sem a revisão judicial adequada comprometeria o direito ao recurso e, consequentemente, a presunção de inocência.
O ministro citou precedentes e jurisprudências, tanto nacionais quanto internacionais, que sustentam que a condenação penal só pode ser executada após a confirmação por tribunais superiores. Ressaltou que, nos termos da Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, reforçando que a execução de penas deve ocorrer apenas após a estabilização jurídica do processo.
Gilmar Mendes também afirmou a inconstitucionalidade da alteração trazida pela lei 13.964/19 (Pacote Anticrime), que permitia a execução imediata da pena nos casos de condenações superiores a 15 anos de reclusão pelo Tribunal do Júri.
Argumentou que essa mudança contraria a presunção de inocência e o direito de recorrer, conforme previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, reafirmando a necessidade de se respeitar o trânsito em julgado.
No entanto, Gilmar Mendes deixou claro que a vedação à execução provisória da pena não impede que, havendo elementos concretos, seja decretada a prisão preventiva do condenado. Enfatizou que o juiz-presidente do Júri pode fundamentar tal medida com base nos fatos e provas reconhecidos pelos jurados, desde que respeitados os requisitos legais da prisão preventiva, como a garantia da ordem pública, a conveniência da instrução criminal e o risco de fuga.
Ministra Rosa Weber e ministro Ricardo Lewandowski seguiram o entendimento proferido no plenário virtual.
Terceiro caminho
Já ministro Edson Fachin apresentou terceira posição, para que a Corte reconhecesse como constitucional a execução imediata prevista em lei infraconstitucional das penas fixadas acima de 15 anos. No caso concreto, o voto resultaria em prisão, visto que a pena foi de 26 anos.
(DA REDAÇÃO \\ Guto Gutemberg)
(INF.\FONTE: Internet \\ Migalhas)
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